A empregada doméstica aposentada Olga Rodrigues da Silva, uma idosa de 89 anos, de Curitiba, tem ocupado parte do seu tempo na recuperação de bonecos e bichos de pelúcia resgatados do lixo.
Ela conhece bem a frustração de passar as noites de Natal da infância sem receber um brinquedo sequer, por isso resolveu ajudar o Papai Noel neste processo de produção de presentes, para oferecer a crianças carentes. A base é no bairro Boqueirão.
“Eu penso que, se naquela época eu pudesse ganhar um presente assim, ficaria muito contente”, conta Olga, um dos quatro filhos de um casal pobre de Siqueira Campos, no Norte Pioneiro do Paraná.
“Nem sapatinho eu tinha pra deixar na janela para o Papai Noel. Colocava o chinelo, mas presente nunca vinha”,
conta a artesã.
Olga chegou em Curitiba há mais de 60 anos, com o marido e os primeiros dos seus sete filhos. Instalou-se no Boqueirão e nunca mais saiu da casa que divide com um filho e dois netos – e é também endereço da sua oficina informal.
Do lixo para a árvore de Natal
A matéria-prima para o trabalho da aposentada – que vê com apenas o olho esquerdo, mede 1,36 metro e hoje tem também 17 netos, 18 bisnetos e dois tataranetos – chega pelas mãos de conhecidos e parentes. É o caso do sobrinho que, conhecendo a habilidade da tia com a recuperação de brinquedos, entrega a ela tudo o que é resgatado pela sogra durante a coleta de recicláveis.
Depois de liberados de roupas velhas, enchimentos e equipamentos eletrônicos, bonecos e bichos vão para prolongados banhos de sabão líquido e amaciante, com especial atenção aos cabelos. E enquanto os futuros presentes de Natal vão sendo recuperados, Olga não descuida de um hábito cultivado durante o ano todo: a atividade física.
Este é um dos segredos de sua vitalidade. Ela faz hidroginástica no centro de esportes do Alto Boqueirão e ginástica na Rua da Cidadania, quatro vezes por semana, há mais de cinco anos. Folga, somente às quartas-feiras.
“Isso me faz muito bem, porque eu tenho diabete e reumatismo no joelho direito e não quero, de jeito nenhum, que uma dor me leve pra cama”, diz Olga. Ela conta ainda que acorda cedo e cuida das plantas.
Detalhes finais
Depois de limpos e secos, a artesã avalia o que é possível aproveitar na composição de cada um e o que precisará ser substituído. Alguns itens para recompor os bonecos – como sobras de tecidos, fios e fitas – vêm do ateliê da filha Ruth, que é artesã. Outros, Olga compra.
A maior parte das roupinhas de tecidos é costurada primeiro à mão e, depois, na antiga máquina, adaptada para ser usada de pé – a posição mais apropriada para a sua estatura. O equipamento é colocado sobre a mesa da sala da casa, toda de madeira e com as paredes cobertas de retratos e quadros.
Outras vestimentas saem diretamente das pontas dos dedos da artesã, habilidosos no manuseio da agulha de crochê. “Faço vestidos e até calcinhas pra elas. No fim, a gente nem acredita nessa quantidade de brinquedo que chegou aqui tão suja e mofada. Fica tudo quase como novo. Ninguém diz que era lixo”, mostra.
O resultado da produção tem endereço certo: as campanhas de arrecadação de presentes para crianças que, como ela, não poderiam ganhar um brinquedo sequer no Natal. Na companhia da filha, vizinha e parceira de atividades físicas, a salgadeira Rose, a idosa divide o produto do seu trabalho entre ações promovidas por emissoras de TV e um grupo de ciclistas.
“Já tá chegando o dia da gente levar”, observa a artesã.